O que não vaza é pele

por Luciana Teixeira

O Que Não Vaza é Pele transbordou a temática do racismo, perpassando ainda outras configurações da discriminação como o abuso de poder, censura e coerção policial gratuita. Imageticamente o contexto político da cidade de Belo Horizonte invadiu a cena, que contou com a participação dos atuantes Alexandre de Sena, Jésus Lataliza, Byron O’Neill e MC Matéria Prima. Atuantes e não atores, porque cada um deles estava livre no palco para expressar sua bagagem individual acerca do fato real, que originou a montagem: o caso de violência praticado pela polícia contra o ator Alexandre de Sena, ano passado na cidade de Blumenau/SC.

Além do fato, a pesquisa para conceber a cena agregou elementos como a obra de Cruz e Sousa e o ritmo das stand-up comedies, encenadas por atores negros norte-americanos. O ponto de partida que conduz os espectadores para a dramaturgia é uma fábula, que se passa na cidade hipotética de Clarimanha, na qual a chegada de um homem colorido causa de imediato uma atitude hostil por parte dos que detém o domínio do local.

A história particular é tomada por uma intensidade universal, ao levar o ativismo político a um espaço coletivo, de questionamento e muitas vezes censurado como o teatro. Aqui a audácia criativa driblou quaisquer possibilidades de clichê e teve como aliada a efervescência dos movimentos sociais que é vista hoje em Belo Horizonte.

A fábula passeia, chega ao documental e atinge o ápice da realidade que se revela quando parte da platéia entra em cena, carregando muitas “bandeiras”, ao som da trilha que MC Matéria Prima desenvolveu habilmente para a montagem, rimada em cima do instrumental produzido pelo beatmaker Renan Samam (www.facebook.com/renan.samam) para Protesto, novo single de sua autoria (soundcloud.com/materia-prima01/mat-ria-prima-protesto-prod). A empatia gerada na platéia pela exposição de muitas causas a se defender amplia a perplexidade diante de tantas atrocidades que o homem ainda é capaz de cometer.